quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O último sopro - Capítulo Final

- Pra onde vocês estão nos levando, seus desgraçados? - Disse Jensen, nervoso e segurando na mão de sua irmã.

- Você logo vai descobrir - Disse Francesco.

O carro se movia rapidamente. Jensen e Mary estavam no banco de trás, Mary na ponta e Jensen no meio. Do outro lado, estava Francesco, com uma arma apontada para a cabeça de Jensen. Um dos capangas do ditador dirigia o carro, e era seguido pelo jipe com os outros dois. Bill estava no banco do passageiro.

- Como pode, Bill, como pode? - Disse Jensen.

- Negócios, Jensen, apenas negócios.

- Como, negócios? O que nós fizemos? Por favor, me levem, mas deixem a minha irmã!

- Temo que não posso. Ela é linda, juro, me dói o coração fazer isso. Mas o preço é por vocês dois.

- Que preço? Que MALDITO preço?

- Aproveite a viagem, Jensen. Cale essa boca e apenas aproveite a viagem.

- Não v...

Francesco deu-lhe um soco na barriga, tirando-lhe o ar. Jensen travou e tentou se recompor. Mary chorava. Foi o suficiente para que eles ficassem calados o resto do trajeto.

Jensen percebia algumas coisas que o fazia tentar imaginar aonde estava. Escutava algum movimento, logo não estavam indo para algum lugar deserto. De vez em quando, o carro parava, como se estivesse trafego intenso ou como se estivesse parando num sinal. Pensava em pedir ajuda, mas o carro era vidro fumê. Ninguem podia ver as duas pessoas com sacos pretos cobrindo o rosto. Era uma esperança inútil. De repente, o carro fez uma curva brusca para a direita e parou. Um porta se abriu. Alguem saiu do carro. Ele não sabia se era Bill ou o outro ex-militar. Ele escutou um portão de grade se abrindo. A pessoa que saiu voltou para o carro, fechou a porta, e voltou ao movimento. O carro entrou dentro do lugar desconhecido, desceu, como se estivesse indo para algum tipo de garagem, e Jensen sentiu as luzes do ambiente diminuírem. Estavam em algum lugar escuro.

O carro parou. Bill e o ex-militar motorista saíram do carro. Francesco também, puxando Jensen junto com ele.

- Vambora, moleque!

O outro ex-militar abriu a porta de Mary e a puxou.

- Não a machuque, desgraçado!

Outro soco na boca do estômago, e Mary continuava chorando. Francesco e o outro ex-militar levaram os dois irmãos para dentro do lugar escuro, que Jensen ainda imaginava ser um garagem. Desceram um lance de escadas, e alguém abriu um portão, provavelmente Bill. Os irmãos foram jogados para dentro desse lugar. De repente, alguém tirou o saco da cara de Jensen.

- Maldito!

Jensen tentou avançar sobre Bill, mas esse foi mais rapido: sacou sua arma, uma colt. 45, e deu um tiro que passou rente a orelha de Jensen. A precisão e rapidez daquele cara foram incríveis. Recuou o suficiente para sacar sua arma numa velocidade impressionante e atirar perto o suficiente para assustar mas não para acertá-lo. Jensen caiu atônito no chão.

- Maninho! Maninho! MANINHO!

Aquele era o terceiro tiro que Mary havia escutado, ou melhor, presenciado, e o terceiro que havia lhe feito chorar. Jensen estava ofegante no chão. Olhou para a sua irmã, ainda com o saco no rosto, e parou.

- Calma... Estou aqui. - Disse Jensen,

Estava péssimo por fazer sua irmã passar por isso. Mas não era culpa dele, afinal.

- Tudo bem. Vem aqui, vou tirar esse saco do seu rosto. - Continuou.

Ao tirá-lo, Jensen viu o rosto de Maryanne vermelho, coberto por lágrimas. Deu-lhe um abraço, e lhe disse que tudo ia ficar bem.

- Isso já vai acabar. Vocês só vão ter que esperar mais um pouco. - Disse Bill.

- Não quero mais ouvir a sua voz. Vai embora daqui.

Bill abaixou a cabeça, e ordenou a saída dos dois ex-militares. Os outros dois estavam lhe esperando acima das escadas.

- Carga entregue. Vamos subir agora e falar com Julian.

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Tardes de sábado são sempre incentivadoras. O dia seguinte é o dia de vagabundear, você pode aproveitar pra fazer o que você bem entender. Era um dia feito para aproveitar. E era tudo isso que Julian estava vendo na varanda de seu escritório. Na praça central, vários cidadãos com roupas leves, contrastando com os ternos e roupas sociais da semana. Rostos alegres e risonhos, e não os rostos arrastados de uma segunda-feira. Famílias reunidas em volta do chafariz, amigos correndo e brincando. Era um cenário bonito. Julian sempre foi um tanto otimista quanto a isso. Imaginava que, quanto mais alegria, menores as chances de se haver alguma revolta. Enquanto a população se diverte, pra que questionar o governo?

Alguém bateu a porta.

- Entre. - Disse, seco, o ditador.

Bill entrou com Francesco no escritório.

- Eles estão na prisão no subsolo - Disse Francesco.

- Perfeito. Perfeito! Você faz jus a sua fama, Bill.

- Perfeitamente, Senhor.

- Já preparei a mala com o restante do dinheiro. Digamos que eu tinha alguma confiança em você. Foi como você disse: um bom investimento para um plano infalível.

- Certamente.

Bill andou até a mesa, pegando a maleta, ao passo que Julian disse:

- Você ainda tem tempo?

- Acredito que sim. Porque?

- Quero lhe contar a história do Henry Grace. Patife escritor. Vi que você se interessou quando o viu na foto. Creio que seja um admirador.

- Li alguns dos seus livros, e o que o lançou na fama: "Coração de Leão". Admirava muito seus livros. Nunca imaginei que ele fosse ser morto por um ditador, apesar disso.

- Como não? Você conhece o governo em que vive, Bill. Aquele maldito tinha contatos no Chafariz, o jornal mais famoso da região! Qualquer coisa que eu fazia, era motivo para ele estimular uma reportagem que afetava completamente a minha imagem. Quantas pessoas eu matei para descobrir que era ele que articulava as idéias! Não sei se reparou, mas todos os seus livros falavam sobre a liberdade. Há! Os homens não sabem usar da liberdade! Se fosse assim, não haveria governo, rapaz. Haveria anarquia! Eu apenas me dou o trabalho de exercer autoridade, colocar os homens nos seus devidos lugares. Diferenças de opinião são os principais motivos de brigas políticas, desorganização interna e guerras! É simples: eu mostro o meu ponto de vista, com seus pontos bons, ruins, e ligo o foda-se! Todos saem ganhando. Algo que os homens tem é a incrível capacidade de adaptação. Não se vê mais revoltas como antes por aqui. Digamos que já aceitam meu governo.

- Não se vêem mais revoltas porque você matou todos, senhor.

- Talvez sim. Mas eles são como cabeças de hidra: mata um, nascem dois. Eu esperava que fosse ser assim. Mas Henry era o foco. Ele disseminava as idéias. Ele era grande amigo do diretor do Jornal, logo várias reportagens que falavam mal de mim eram idéias daquele escritor.  Ele é assumidamente contra a ditadura. Ou melhor, era. Foi difícil chegar a ele. Só depois de torturar quase até a morte o diretor do Jornal foi que pude descobrir que era ele. Dei meus dois primeiros avisos. Mas ele era forte de espírito. Confiava muito no seu povo. A questão é que eu conquistei esse povo primeiro.

Bill não parava de pensar em quão alucinados eram os pensamentos do ditador. Mas já estava com seu dinheiro, era isso que importava.

- Bom, era isso. Poderia te contar mais, mas é como lhe disse: sou um homem ocupado e não gosto de ocupar os outros. Muito obrigado pelos seus serviços. Pode ir agora. Francesco, levo-o até a saída e traga os irmãos para o meu escritório.

- Sim, Senhor! - Disse Francesco.

E, assim, ambos saíram.

Julian virou-se para a varanda novamente. Começou a pensar sobre os momentos de sua vida. O golpe de Estado que lhe deu o poder, o dinheiro que gastou e as pessoas que matou na surdina. Lembrou de Henry Grace, e do dia em que o levou para a prisão no subsolo e o torturou de várias maneiras, até que quando já o havia arrancado dois dedos da mão e alguns dentes, fez o que ele tanto suplicava: um tiro na cabeça.

Haviam se passado cerca de 30 minutos, e nada de Francesco voltar. Julian não ligava, era confiante demais para isso. Poderia ficar ali naquela varanda inteira se convencendo de que ele havia parado para um lanchinho ou estava se divertindo espancando o garoto, deixando ele aquecido para que o ditador pudesse torturá-lo da maneira que ele melhor sabia.

Mais 30 minutos. Nada. Agora estava ficando nervoso. Não de medo, mas de ansiedade. Ele queria muito se divertir com alguém, não fazia isso a algum tempo. Resolveu descer até o subsolo.

Julian estranhou uma coisa: Não havia ninguém no segundo andar. Normalmente, algum segurança ficava ali por perto. Deviam estar na prisão, imaginou. Tomando conta dos dois irmãos. Ou provavelmente almoçando, já que seu relógio marcava 13h. No primeiro andar, perguntou para a sua balconista:

- Aonde está Francesco?

- Ele acabou de descer para a garagem, senhor.

- Tudo bem. Se ele aparecer, diga para ele que vou descer.

A balconista assentiu. Julian se dirigiu a uma porta na parte de trás do balcão. Era um banheiro com dois boxs. Julian entrou no segundo e fechou a porta. Ao puxar a descarga, o chão de baixo do vaso sanitário pulou, como se estivesse se soltado. Julian removeu o vaso junto com o chão e avistou um lance de escadas.

Assim que o desceu, estava dentro da suposta garagem. Era um lugar escuro, até Julian ligou a luz. Viu o carro de Francesco e um dos seus jipes, mas não viu nenhum dos quatro homens. Estava começando a achar estranho. Dirigiu-se até a prisão. Desceu o lance de escadas, até que estava de frente para o portão da cela. A chave estava na fechadura. Tentou girar a maçaneta, mas ela já estava aberta.

- Francesco deve os ter levado para cima. Maldito timing.

Abriu o portão. A cela não estava vazia. Um, dois, três, quatro. Quatro corpos estavam jogados no chão, ensanguentados. Tiros certeiros no peito esquerdo. Reconheceu um deles de cara: Francesco. Estava com o rosto virado para o portão, como se tivesse sido a ultima coisa que viu antes de morrer. Os outros três só podiam ser os outros ex-militares.

 - Mas que porra é essa?

Julian tremeu. Era ditador a anos, matador a mais tempo ainda, e pela primeira vez, ele tremeu de medo. Deu meia volta e subiu correndo as escadas. Quando levantou a cabeça no fim do ultimo degrau, congelou. Não acreditou no que estava vendo.

O jipe estava parado de lado para as escadas da prisão a menos de 5 metros. Encostado na porta, mirando no ditador, estava Bill.

- Bill? Você ficou maluco? Você matou meus homens? No que você estava pensando?

- Negócios, ditador, apenas negócios.

Uma segunda figura saiu de trás do jipe. O ditador o ficou encarando até, após alguns segundos, reconhecê-lo. Não falou nada, estava digerindo a informação. Quando a figura parou do lado de Bill, esse lhe entregou a arma.

Tirar a primeira vida é muito difícil. Na verdade, qualquer coisa que você faça pela primeira vez tende a ser complicada. Você fica nervoso, não tem experiência, se preocupa em fazer o que precisa ser feito da maneira certa. Você não quer vacilar, você não quer errar. Tudo precisa ser perfeito. Mas é impossível você não demonstrar nenhuma emoção, ou não tremer.

Era a primeira vez que Jensen pegava numa arma. E ele a segurava com uma incrível frieza cirúrgica.

- Você deve ser Jensen Grace.

Jensen não falou nada. Continuou mirando o ditador.

- Então, Bill, ele é o que? Seu irmão idiota da loja de móveis? Seu primo? Ou você gostava tanto dos livros do papaizinho dele que resolveu me matar? Oh, desculpe, Jensen. Eu matei seu pai. Buaháháhá.

- Não se atreva a falar do meu pai, seu rato.

- Desculpe, Julian, desculpe mesmo. Mas é como eu digo: negócios são negócios. Ganha quem paga mais.

Julian ficou confuso.

- Bill, - disse Jensen - me faz um favor: Tire Mary do recinto. Prepare o carro. Não quero que ela veja isso. Pode ir depois disso. Já estamos acertados, certo?

Bill assentiu.

- Mary, venha comigo.

Mary saiu de trás do jipe. Ela olhava fixamente para o ditador. Bill abriu a porta do carro de Francesco, entrando no lado do motorista, e Mary ocupou o banco do passageiro. Bill abriu o portão da garagem, posicionando o carro do lado de fora.

- Okay, moleque. Vai me explicar o que está acontecendo?

- 500.000 é um preço muito barato para um ditador pagar, não acha?

Julian tomou um susto.

- É incrível como os assassinos de aluguel funcionam, sabe. Acho que eles são como qualquer comerciante: giram em torno do dinheiro. Quem oferece mais, ganha mais. É simples.

- O que você quer dizer com isso?

- Digamos que eu dei a sorte de procurar o mesmo assassino que você procurou. A diferença é que eu tinha dinheiro pra gastar, idiota. Adivinha porque eu tinha dinheiro? Por sua causa. Você, seu miserável. Você matou meu pai. E ele sabia que você ia matar ele. Mas ele é muito decidido, sabe. Ele sempre luta até o final pelo que ele acredita. E foi assim contra você. Mas você é um animal, um monstro sedento por sangue. O bom é que ele sabia que você era assim. Depositou tudo que tinha num seguro de vida alguns dias antes de você o sequestrar. Dinheiro nunca foi problema. Acho que você não pode dizer o mesmo.

A expressão de Julian era um misto de raiva e impotência.

Jensen continuou: - Gasta tanto com seus guardinhas. A facilidade que Bill os matou foi incrível. Sabe, ele é muito versátil, mas um tanto controlado. Só mata quem precisa e não é covarde. Foi por isso que mesmo sabendo quem eu era, não me matou. Esperou eu acabar de falar e ver que a minha proposta era muito melhor do que a sua.

- Qual foi a sua proposta?

- 500.000 para poupar a minha vida e a de Mary. 50.000 para cada guarda que ele precisasse matar e 300.000 pela sua cabeça. E, de acordo com ele, poderia bolar um plano bom o suficiente para também embolsar os seus 500.000. Dito e feito.

- E você tem 1 milhão para gastar, moleque?

- Para matar um ditador asqueroso como você? Com certeza eu tenho.

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Aquele tinha sido o quarto tiro que Mary havia escutado. A diferença é que foi o primeiro que não a fez chorar.

Esperou apenas 5 minutos para seu irmão entrar no banco da frente. Ele sentou e ficou encarando o nada por algum tempo. Até que olhou para a sua irmã. Ela estava sorrindo.

- Acabou, maninho?

Jensen abriu um sorriso. Uma lágrima escorreu.

- Acabou, sim. Vamos logo pra casa. Precisamos fazer as malas. Estou afim de me mudar daqui.

Jensen ligou o carro. Parou em frente ao portão e olhou para a cabine do guarda. Bill estava olhando para eles. Ao abrir o portão, acenou. Jensen acenou de volta. Fazendo uma leitura labial, Bill viu Mary dizer:

"Obrigado".

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O último sopro - Terceiro Capítulo

Julian Omnios não era um ditador qualquer. Era moreno, cabelos pretos longos até o ombro, e seus 2 metros de altura, 100kg e músculos sobressaltados faziam jus a sua maldade interior. Ele não hesitava em matar a oposição ao regime. Possuía uma oratória invejável, que junto com a sua autoridade e postura totalitária, pareciam tornar o seu sistema de governo impossível de cair. Não dependia de nenhum exército que pudesse se revoltar e tomar o poder: possuía sua própria segurança. Gastava horrores com a sua polícia particular: ex-militares colombianos e até mercenários. Isso explica um pouco a sua pão-durisse: mal tinha dinheiro para gastar. O país não era tão rico e boa parte dos seus fundos iam diretamente para o seu exército privado. Era o preço para possuir estabilidade como ditador.

A sua mansão era protegida por três muros: dois laterais e um traseiro. A parte da frente da casa era apenas protegida por uma grade de 7 metros de altura, resistente, que permite que Julian veja o movimento da cidade. A mansão possuía dois andares: o primeiro era como uma grande recepção: um cômodo só, enorme, com um balcão central. Atrás do balcão, uma escada que quebrava em dois lados, dando no segundo andar. Esse possuía apenas dois cômodos: do lado direito, uma biblioteca pessoal do ditador e, do lado esquerdo, seu escritório, que possuía duas varandas. Uma das coisas que Julian mais gostava de fazer era ir para a sua varanda e olhar a população trabalhando, enquanto pensava sobre a própria vida e como ela afetava os outros. Fazia reformas na economia sempre que podia, mas os gastos já eram grandes demais. Uma vez ou outra, trabalhava no setor social, mas a maioria das vezes era pra punir ou matar oposição. São como baratas: dão em todo lugar sem que você espere, e quando você mata uma, já tem outras crescendo para te atormentar de novo.

Era isso que ele fazia, no momento: estava parado na varanda, vendo as pessoas correndo, os carros buzinando, e pensava em como, de um jeito ou outro, tinha uma vida relativamente tranqüila. Não saía da sua cadeira no seu escritório com ar-condicionado nenhuma hora do dia, apenas para refeições. O fato de não trabalhar tanto, ou não se sentir cansado, era explicado pelo fato de que ele pagava os outros para fazer o que precisava fazer.

Na verdade, estava fazendo isso nesse exato momento.

Enquanto estava distraído, alguém bateu na porta:

- Entre! - disse Julian.

Um homem alto, de 1,80, adentrou ao escritório. Possuía um cabelo liso, porém curto, físico atlético, e um rosto que lembrava muito descendência italiana:

- Senhor, ele chegou. - Disse o italiano.

- Ótimo, Francesco, peça para ele entrar!

Entrou uma figura estranha no escritório de Julian. Era mais baixo que o italiano, possuía um físico normal, um pouco magro, mas estava com o rosto coberto por óculos escuros e uma bandana. Era difícil dizer se tinha 16 ou 20 anos.

- Pode nos dar licença, Francesco?

Assim que o italiano saiu, a pessoa começou a falar:

- Boa tarde, Senhor Julian. Espero não ter chegado tão cedo.

- Claro que não! Por favor, sente-se. Aceita uma bebida? Ou... é muito novo para isso?

O homem, por assim dizer, olhou para trás antes de se sentar, tendo certeza de que somente ele e o ditador estavam naquele cômodo. Tirou os óculos escuros, revelando olhos castanhos, comuns.

- Até tenho idade, mas prefiro uma água. Sou mais velho do que o senhor imaginava, mas me dou ao luxo de parecer mais novo para transparecer inocência. Ajuda no serviço.

- Hum, adorei isso! Pois bem, ali tem água. Vou tomar uma dose de uísque, se não se importa.

O homem assentiu. Pegou o copo de água, enquanto Julian enchia seu copinho com um uísque 12 anos. Sentaram-se, e quem começou a falar foi o ditador:

- Bem, aqui estamos. É realmente um prazer vê-lo pessoalmente. Alguns amigos me falaram da sua eficiência e estratégias perfeitas para realizar tarefas. É um pouco difícil contatar você, entretanto. Não utiliza nomes! As pessoas é que te dão vários apelidos: falcão negro, sombra, invisível...

- Sim, acho cada um desses ridículos. Me sinto um super-herói. E, convenhamos, eu jogo para o outro lado.

O ditador riu antes de continuar a falar:

- Bom, vamos logo falar de negócios. Sou um homem ocupado e não gosto de ocupar os outros também. Lembra do que falamos ao telefone?

- Sim, você quer matar duas pessoas.

- Exatamente. No entanto, não quero que você as mate. Eu mesmo quero matá-las.

- Entendo. Bem, assassinos de aluguel normalmente matam as pessoas. Mas é mais difícil trazê-las vivas. Porque não arranja um sequestrador?

- Sequestradores são pra pessoas definidas. Eu não sei ao certo quem são os dois que quero matar.

O homem levantou uma das sobrancelhas.

- Deixe-me explicar. Veja essa foto.

O ditador tirou de uma das gavetas de sua mesa uma foto pequena, 10x15, e entregou ao homem. Haviam 3 pessoas na foto: Um homem, alto, com uma barba rala e cabelo curto, que ele logo reconheceu: Henry Grace, o famoso escritor. Havia feito muito sucesso nos últimos anos, tendo faturado absurdos com isso. Era conhecido em toda a cidade e em boa parte do país. No seu colo, havia um bebe, provavelmente uma menina. Cabelo loiro, olhos verdes, pele muito branca. Abraçado com Henry, estava um garoto. Era moreno, e tinha olhos azuis. Esse garoto e Henry estavam sorrindo, enquanto o bebe brincava com o que parecia ser um chocalho. Deduziu que eram pai e filhos.

- Esse não é Henry Grace, aquele escritor que...

O homem fez uma cara de espanto, como se agora lembrasse realmente o motivo de conhecer Henry Grace.

- Esse mesmo - respondeu o ditador.

- Ora, ele já está morto, então.

- Eu quero os filhos dele.

Agora sim, o assassino estava começando a entender.

- Por isso, não sabe ao certo quem você quer matar. Não sabe como eles são hoje em dia porque não tem uma foto mais recente.

- Sim, mais ou menos isso.

- Mas porque matá-los? Não era Henry que lhe fazia oposição?

O ditador olhou um pouco para o assassino, até que se levantou calmamente e começou a andar pelo escritório:

- Veja bem. Um homem na minha posição não se pode dar ao luxo de ter qualquer tipo de ideia contrária se formando na cabeça de qualquer cidadão do meu país. Se alguém tenta fazer alguma manifestação, dou o primeiro aviso. Mando alguém dar umas porradas na pessoa e fazer com que ela se cale. Se ela continuar, destruo alguma propriedade dela e lhe dou um segundo aviso: "se eu tiver que voltar, vou levar tudo". Poucas pessoas entendem isso. Se ela continuar, é simples: eu a mato junto com toda a sua família. O problema é que o desgraçado do Henry devia saber disso. Depois de trazê-lo aqui, torturá-lo e matá-lo, fui queimar sua casa e matar os seus filhos. E não é que eles haviam sumido? O maldito escritor deve ter-lhes mudado de casa, não sei. Provavelmente para uma bem escondida. Não cogito a possibilidade deles terem sido mandados para fora da cidade, muito menos para fora do país. Henry não possuía família, além dos filhos e da mulher que morreu no parto desse bebe da foto. Mandei meus homens procurarem por esses dois, e algumas vezes encontramos rapazes parecidos. O foda é que eles não devem estudar: mandei os nomes Jensen e Maryanne Grace para todas as escolas da cidade, e nada. Henry fez muito dinheiro, muito dinheiro mesmo. Deve ser por isso que não os encontro: eles saem pouco.

O ditador parou para respirar, enquanto o homem continuava olhando a foto. Ele já tinha visto aquele menino em algum lugar.

- Mandei já alguns do meu pessoal vasculharem casas pela cidade inteira, batendo de porta em porta. Algumas vezes não respondem, e acabamos tendo que arrombar as casas. Já pegaram pessoas tomando banho, casais fazendo sexo, algumas casas aparentemente vazias mas não abandonadas, como se as pessoas tivessem saído da casa no momento que meus homens entram. Não tive sucesso de nenhuma forma. Por isso, estou apelando para você. Além de ser eficaz, dizem que você possui estratégias infalíveis. Estou precisando de uma.

- Esse garoto me é familiar.

- Como disse?

- Esse garoto. Eu acho que já vi alguém como esse mesmo fenótipo, algumas vezes, na praça do chafariz. Sempre indo numa padaria ao lado da... Veja, tenho um irmão que trabalha numa loja de móveis na praça, e do lado dessa loja, tem uma padaria. Tenho certeza que já vi alguém muito parecido com esse garoto por lá. Vou me certificar. Posso guardar essa foto?

O ditador assentiu e disse:

- Perfeito, então! Já tem por onde começar!

- Certamente. Vou precisar de alguns homens seus. Uns 3 ou 4. Já tenho um plano em mente.

- Hum... Certo, fique a vontade. Então, vamos aos preços?

- Por assassinato, eu costumo cobrar 50.000 por cabeça. 100.000 por serem filhos de um famoso, e por você ser capaz de pagar, principalmente. Mas para trazê-los vivos, é mais complicado. Preciso de discrição. Vou cobrar 250.000 por cada um. Meio milhão. Um preço bom para um serviço infalível, certo?

O ditador se corroeu. Não deixava de ser muito dinheiro. Mas sua cabeça não funcionava assim. Era preciso passar aquela mensagem. Não podia abrir exceções. Matar a família inteira sempre. Não deixar oposição crescer. A qualquer preço. No caso, era meio milhão.

- Feito.

- Metade agora, metade na entrega.

- Como quiser.

O homem se levantou. Apertou a mão do ditador, dizendo:

- Então, temos um negócio fechado.

Julian sorriu, confiante. Dirigiu-se a sua mesa, mas não sentou. Retirou um quadro que fica atrás dela, revelando um cofre. Digitou uma senha gigante, abrindo-o, e retirou o dinheiro.

- 250.000. Quando conseguir os dois, receberá o resto.

Colocou o dinheiro numa maleta e entregou ao assassino. Esse fez uma reverência e, no momento que estava saindo, Julian perguntou:

- É, bem, agora que acabamos... Pode me dizer algum nome seu que sirva? Sabe... facilitar a comunicação. E eu gosto de chamar as pessoas pelos seus nomes.

O homem virou e tirou a bandana. Revelou cabelos pretos e lisos, esparramados para os lados. Guardou a bandana no bolso e, antes de colocar os óculos escuros de volta, disse:

- Pode me chamar de Bill.

E, por fim, saiu do escritório.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O último sopro - Segundo Capítulo

Vida de órfãos é extremamente complicada. Ainda mais pro irmão mais velho. Além de não ter o apoio moral de seus pais, precisa tomar conta do caçula da família. E como fazer isso? É praticamente como ter um filho: acaba com a sua vida, com a sua adolescência. E, apesar disso, Jensen parecia se virar muito bem quando o assunto era tomar conta de Mary.

Sua mãe morrera no parto de Mary. Jensen tinha 5 anos, e seu pai, Henry, não sabia o que dizer, o que contar, o que explicar para o seu filho. Disse que sua mãe estava no hospital se recuperando do parto e que iria vir para a casa o quanto antes com sua irmã mais nova. Uma semana depois, seu pai havia chegado com a filha, e Jensen perguntou aonde estava sua mãe. Seu pai começou a chorar, e naquele momento Jensen soube. Seu pai deu o nome da filha com o seu nome de sua esposa.

Anos depois, quando Jensen tinha 15 anos, seu pai saiu de casa para um dia de trabalho normal e nunca mais voltou. Algum tempo depois, ele iria descobrir a verdade. E agora, vivia baseado nela. E estava cada vez mais perto de conseguir seu objetivo.

Agora, com 18 anos, cuidava de sua irmã com a maior tranquilidade do mundo. Já estava acostumado, como se ela fosse a sua filha. O que provavelmente facilitou a vida dos dois foi a grande quantia que seu pai havia deixado para os dois: um seguro de vida absurdamente grande.

Como sempre, acordava cedo, acordava sua irmã e saía para comprar o café da manhã.

Naquele dia, seria tudo diferente. O que aconteceria naquele dia, mudaria completamente a vida de Jensen.

Fechando a porta de casa, deu uma respirada profunda e começou andar. Sua casa era a ultima de uma rua estreita, com casas apenas de um dos lados e um muro gigantesco do outro lado. Atrás desse muro, estava a mansão de um dos maiores ditadores da história da humanidade. Logo saindo de sua rua, Jensen se via numa avenida gigantesca, com duas pistas contrárias. Descendo a rua, se encontrava a praça principal da sua cidade, com padarias, confeitarias, lojas de cosméticos e tudo mais que uma praça de comércio deve ter. Sua cidade não era lá a mais nobre de seu país, mas não ficava pra trás. Era detentora de vários pontos turísticos famosos e monumentos invejáveis. Um deles, no centro da praça, era o maior chafariz do mundo: cerca de 10 metros de alturas, com um poço embaixo de 5 metros de raio. De noite, acendiam-se luzes e ficava maravilhoso o reflexo delas nas águas do chafariz.

Quando estava saindo da padaria, Jensen viu 4 homens, armados, espancando a pontapés um garoto do lado do chafariz. A cena era de pura covardia e de deixar as pessoas raivosas. E foi exatamente isso que aconteceu com Jensen.

- Ei, deixem ele em paz, pelo amor de Deus, ele é só um garoto!

- Não se meta nisso, seu moleque! Volta pra casa! - disse um dos homens.

- É, seu garotinho, volta pra sua mamãe! - disse outro deles.

- Mas o que esse garoto pode ter feito? Parem com isso! - disse Jensen, se aproximando dos homens.

- Você realmente quer arrumar uma confusão, não quer? - Disse o primeiro homem que havia falado antes.

- Olha, eu só estou dizendo para parar de incomodá-lo antes que eu chame a polícia, tudo bem?

Os quatro viraram e olharam mau-encarados para Jensen. O aparente líder deles, com fenótipo italiano, se aproximou primeiro, seguido pelos outros três.

- Qual é a sua, garotinho? Você está afim de tomar porrada, igual esse moleque aqui que você nem conhece?

Para a sorte de Jensen, um carro da polícia passou naquele momento, fazendo patrulha. Ele meio que contava com isso: sempre passava uma viatura naquela hora da manhã pela praça. Ao verem o carro, os homens guardaram as armas. O carro parou perto do chafariz e saíram dois policias da viatura, andando em direção ao grupo de homens armados.

- Algum problema, meu jovem? - Disse o policial para Jensen.

- Não, nenhum, nós já estávamos indo embora - Interrompeu o italiano.

Os quatro homens começaram a ir embora, quando o italiano falou no ouvido de Jensen:

- Reze para que não te encontremos, seu pivete.

E foram embora. Jensen ainda estava um pouco atordoado com o comentário do italiano, preocupado principalmente com o que poderia vir a acontecer com a sua irmã. Estava começando a se arrepender de ter mexido com aqueles caras.

- Quem são eles? - Jensen perguntou para o guarda.

- Eles? São guardas do ditador, ex-militares colombianos. Seu ato foi heróico, garoto, mas não se deve mexer com esses caras. Tome cuidado da próxima vez. Nem sempre estaremos por perto.

Jensen assentiu, enquanto os guardas entravam na viatura e iam embora. O garoto, machucado, ainda estava no chão. Jensen se dirigiu a sua direção para ajudá-lo, levantando-o do chão.

- Você está bem?

O menino não respondeu. Apenas se limpou e tentou manter o equílibro.

- Você tem família?

Nenhuma resposta.

- Bem... Estou indo para casa. Quer me acompanhar?

- O...o...obrigado, senhor. - disse o garoto, baixinho.

- Ah, relaxa. Ninguém merece esses covardes armados.

- Uhum...

- É... Você tem algum nome?

- Meu... nome é Alex. Alex Billiam. Mas pode me chamar de Bill. Gosto de meu sobrenome.

- Ok, Bill! Prazer, meu nome é Jensen. Jensen Grace. Quer me acompanhar até em casa?

Bill assentiu. Apoiou-se no ombro direito de Jensen, enquanto esse carregava o café da manhã na mão esquerda. Chegando em casa... :

- Demorou muito, maninho! Quem é esse?

Jensen contou a história para Mary. Ela ficou um pouco assustada, mas tratou Bill muito bem. Os três comeram e passaram o resto da manhã conversando. Bill não falou muito, apenas ouviu a história dos irmãos.

De repente, Jensen ouviu um barulho na rua. Olhou pela janela da cozinha, e viu um jipe passando pela rua. Parou na esquina da rua, fechando completamente a saída. De repente, quatro homens saíram do jipe. E o motorista: o cara italiano. Eram os guardas do ditador.

- Droga, eles devem ter nos seguido! Droga! Droga! - Esbravejou Jensen.

- Quem são eles, maninho?

- São os caras que bateram no Bill hoje de manhã!

Um disparo. Um tiro ecoou pela rua. Os guardas estavam dando sinal de sua presença: e que não iriam embora até acharem Jensen. E não seria boa coisa o que iria lhe acontecer.

- Vamos, rápido! Mary, Bill, tenho um quarto aqui em casa com um quarto secreto, cabem nós três, vamos!

E assim, foram se esconder.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O último sopro - Primeiro Capítulo.

Múltiplos passos largos e pesados ecoavam pelo frágil chão daquela casa decadente. Um grupo de pessoas corria desesperada, como se estivesse fugindo de algo iminente a alcançá-los.

- Ali, ali, ali dentro! Tem uma porta secreta na parede daquele quarto! Vamos, rápido, rápido!

A loucura tomava conta do ambiente. Nesses momentos, o ser humano não pensa em nada além de sobrevivência. Não importa o que seja necessário: ele simplesmente não quer morrer naquele momento, naquela hora, naquele lugar, por qualquer motivo que seja.

Os três adentraram a portinha de madeira embutida na parede marrom como se fosse parte da mesma. Um barulho de arrombo. Uma porta caindo. Vários movimentos sincronizados dentro daquela casa. Eles estavam ali. Eles haviam chegado.

- Silêncio, Mary! Não faça nenhum barulho! Estou aqui pra você, ok?

A garota ficou em silêncio. Era pequena, uma pré-adolescente de 13 anos. Loira, de olhos verdes, pele branca como a neve. Estava assustada, porém. Seus olhos mal piscavam, e ela tremia. O garoto, seu irmão mais velho, alto e moreno de olhos azuis, segurou-a em seus braços, tentando fazer com que a tremedeira e o medo passassem um pouco. Devia ter 18 anos, pois a barba já começava a crescer e a voz já era grossa como a de um homem.

Os passos estavam cada vez mais próximos. Já se ouviam dentro do quarto. Pelos intervalos, o garoto deduziu que haviam dois homens dentro daquele cômodo. Passos curtos, cautelosos... Estavam procurando alguma coisa. E pareciam convictos de que ela estava naquele lugar.

Foi nesse momento que Jensen teve uma vontade gigantesca de voar no pescoço do terceiro integrante do grupo. Tudo aconteceu tão rápido que ele nem entendeu. O garoto se posicionou na frente da portinha escondida, a abriu e pulou para fora. Os dois homens viraram no meio instante, e, para o susto dos irmãos, eles estavam armados. Não que eles não soubessem disso: mas é assustador ver dois fuzis apontados, prontos para atirar.

- Aí estão.

Os homens abaixaram as armas. Olharam para a porta, fixando os olhares em Jensen e Mary. Mary estava cabisbaixa, chorando. Jensen olhava furioso para o outro garoto. Agora de pé, percebia-se que ele era um pouco alto: não tanto quanto ele, mas devia ter 1,75m. Cabelo liso preto esparramado pelos lados, olhos castanhos claros e um físico magro.

- Como... Como... Como você pode fazer isso? Você nos deve a sua maldita vida! - Jensen disse, como se estivesse pronto a explodir.

- Você não entende. Quem sabe, algum dia entenda. Agora, é melhor ficar quieto, senão trataremos sua irmã do mesmo modo que trataremos você. Vocês dois, amarrem-nos. E não se esqueçam de cobrir-lhes o rosto com esses sacos plásticos pretos. Quero absoluto sigiloso para onde os estamos levando.

- DESGRAÇADO!

Antes que Jensen acertasse um soco no garoto franzino, os dois homens os seguraram pelo braço e o jogaram no chão. Mary queria gritar, mas como podia se não parava de derramar lágrimas? Em um instante, estavam amarrados e cobertos pelo rosto por sacos. O garoto deu uma olhada pelo cômodo, enquanto via os irmãos serem levados pelos homens armados. Respirou fundo, pôs o cabelo para o lado, e disse para si mesmo.

- Agora estamos avançando.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Máquina do tempo

- Não funciona. A maldita não funciona. Por tanto tempo tentando construir algo que me fizesse retornar ao meu passado... Tudo em vão. Acho que nunca me senti tão desesperado assim. O que eu posso fazer agora? Minha unica esperança era voltar e corrigir a besteira que eu fiz. O que vai custar a minha vida.

O garoto deitou no chão. Já estava fraco demais para fazer qualquer coisa em pé. Estava pálido. Com frio. Sentou do lado de sua invenção mal-feita, que apenas estalou, soltou faíscas e, por fim, uma pequena explosão. Do seu outro lado, uma escrivaninha pequena de madeira, cerca de 1 metro de altura. Esticou a mão e pegou o quadro preto que ali estava. Olhou fixamente para o retrato, enquanto ia fechando ao pouco os seus olhos. Estava cansado. Tudo o que queria era tirar uma soneca. Deixando o quadro cair de suas mãos, encostou a cabeça na parede e adormeceu. Para sempre.

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Chuva. Um garoto de estatura média-alta, moreno, aparentando adolescência, anda em direção a sua casa a passos leves, fraquejando. Não aparenta danos físicos externos, mas claramente algo o perturba. Chegando em seu apartamento, dirige-se rapidamente ao seu quarto, ligando o ar-condicionado e indo para o computador. Já não sabia mais o que fazer. Olhou para sua mão direita, como se algo estivesse faltando. Passou alguns minutos desprezíveis olhando a tela do monitor, até que desistiu, desligando o computador e indo para a cama. Sucumbiu ao choro e ao sono: precisava descansar. Mas não conseguia. Como poderia, afinal?

As horas se arrastaram e, quando viu, eram 4 horas da manhã. Levantou-se para ligar a TV, e foi nessa hora: ergueu-se de mau jeito, tropeçando sobre seus pés e caindo sobre sua mão direita, com o seu dedo entre o mindinho e o do meio esticado. Sentiu uma dor aguda. Quando conseguiu levantar a ver sua mão, seu dedo estava vermelho. Não estava quebrado, mas doía muito. Foi até a cozinha e pegou um pouco de gelo, colocou por uns 20 minutos, tomou um calmante tarja preta convicto de que precisava dormir. E dormiu. Ali mesmo.

No dia seguinte, foi acordado pela sua irmã mais nova. Olhou para a sua mão direita, e seu dedo estava assustadoramente inchado. Quase preto.

- Porra! Que dor agonizante. Mas deixa, daqui a pouco passa.

Passou-se mais um dia e o dedo não melhorou. Estava agora inteiramente roxo, inchado, e sua mão começou a ficar cada vez mais difícil de mover. Resolveu ver um médico. Teve a notícia de que todos os vasos do dedo se romperam na queda e que o sangue estava acumulando no punho. Mais algum tempo e começaria a arrebentar todos os vasos do seu braço. Teria que amputar a mão.

No dia da cirurgia, não sabia se chorava ou se... chorava. Precisava de alguém ali segurando sua mão boa, fazendo piadas e dizendo que ia ficar tudo bem. Mas ninguém passava pela porta. Era o que ele esperava, ora. A culpa era dele mesmo.

Após a cirurgia, acordou tonto. Tentou se levantar, mas não conseguiu. Não sabia se virar com uma mão só. Começou a chorar. Quando a porta se abriu, enxugou rapidamente as lágrimas. O médico entrou lhe dizendo:

- Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que a cirurgia foi um sucesso. A má é que foi tarde demais. O coágulo gerou uma infecção generalizada que já atingiu seu coração, através dos vasos rompidos. Ele vai parar de funcionar em alguns dias. Sinto muito.

O garoto não sentia mais nada. Aquela notícia nem era a pior da semana. O que lhe ocorreu 3 dia atrás, isso sim foi o pior possível. Assentiu, mas lhe fez uma pergunta que deveria ter permanecido na escuridão:

- Doutor... Se algo tivesse segurado os vasos: Um anel, por exemplo. É possível que os vasos tivessem aguentado.

- Não sei lhe dizer... Mas pela pressão, provavelmente. Muito provavelmente. Uma aliança seria ideal.

O garoto abaixou a cabeça e pediu para ficar sozinho. Quando o médico saiu, ele trocou de roupa e saiu do hospital.

Seu destino era uma rua sem saída. Quase chegando ao fim, avistou um portão preto. Tocou uma das campainhas. Nada. Tocou novamente. Nada. Tentou mais uma vez... e desistiu. Era inútil. Nada aconteceria, não importa quantas vezes ele apertasse. Ficou ali parado, alguns minutos, sem perceber. Minutos que se transformaram em horas. Quando se tocou, já era noite. Então, teve uma idéia.

Voltou para o seu apartamento e se trancou no seu quarto por 5 dias. No sexto dia, havia criado um dispositivo do seu tamanho, usando peças do computador, pedaços da cama e do armário, e uma pedra transparente que serviria como portal de tempo. Em cima, escreveu com tinta vermelha: Máquina do Tempo. O garoto estava acabado. Já perdia toda a cor de pele, estando completamente pálido. Seu braço direito estava roxo, e o seu peito, com as veias sobressaltadas. Mas estava convicto de que tudo daria certo no final.

E... se não desse? Se aquilo falhasse? O que ele faria?

Quando não se pode mudar o passado... O que você faz?

Ligou, por fim, a máquina.

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- Então... Essa é a sua história, pai?

- Bem, mais ou menos. Algumas utopias e imaginações. Mas a mensagem é a mesma.

- Qual mensagem?

- Não se pode mudar o passado. A unica maneira de alterá-lo é agindo no presente e pensando no seu futuro. Entendeu?

- Entendi. Interessante. Realmente... Fascinante. Posso ir dormir agora?

- Fique a vontade, filha.

A garota, baixinha, olhos castanhos e cabelos ondulados, se levantou para ir deitar-se.

- Você fica cada vez mais igual a sua mãe. - o homem murmurou.

- Oi ?

- Oi ? Não, nada, Lívia. Pode ir dormir.

O homem olhou enquanto sua filha subia. Após ela sumir de sua vista, olhou para a sua mão direita. Intacta. Humana. E no seu dedo entre o mindinho e o do meio, uma aliança prateada.