quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Medo pessoal.

Temer a morte é temer o fim, o desconhecido e o improvável. Esse medo faz de nós fortes, nos proporciona o instinto desesperado de existir, o mais primitivo dos sentimentos. Nos fazer lutar mais que possível e beirar a impossibilidade humana. Mas... O antagônico do medo, o desejo de vida, é traiçoeiro entre os homens que sentem fortemente. Se ele fosse egoísta, qualquer existência seria límpida, simples. Mas compartilhamos tal desejo. E isso faz dos homens vulneráveis, susceptíveis a falhas. O desejo de viver ao lado de quem amamos... Nos deixa fracos. E a louca vontade de ver o outro bem tira o medo da morte. O medo de esgotar as energias em prol de mudanças benéficas. E isso... Também, nos deixa fracos.

Uma mente brilhante uma vez disse que o mundo é feito de opostos, tais como cargas positivas e negativas. A luz não existe sem a escuridão, o claro não existe sem o escuro. Amor, tal potente força-motora, não existe sem o ódio. Sabemos que o amor está presente quando o ódio está ausente. E vice-versa. Ao passo que o ódio e puro e direto, o amor é sagaz, mas se esconde em suas decisões, em seus sentimentos, e leva a sua vida sem que percebamos que estamos sendo carregados por esse poder onipresente.

Um objetivo digno de vida é tentar viver sem ódio. Nunca odiar alguém nos dá a ilusão de que vivemos em paz e felicidade absolutas. Mas não podemos odiar plenamente sem antes amarmos. E vice-versa. Precisamos aprender a diferença entre tais sentimentos, da mesma forma como precisamos aprender porque o claro difere do escuro, porque a noite difere do dia, o sol da lua. Precisamos em algum momento odiar.

E é estranho quando o primeiro ódio de nossas vidas é o ódio próprio, de si mesmo, de quem você é. Viver uma vida inteira e odiar o que você é, odiar o caminho que te levou a ser você, faz você questionar todas as suas decisões. E se odiar, por amor, é mais estranho. Deveríamos nos amar em solidariedade a quem nos ama de volta. Simplesmente porque amamos essa pessoa mais do que nunca, e queremos ela bem, queremos uma harmonia, uma felicidade eterna para essa próxima. Seja recíproca, ou não. Traçar um objetivo de vida, por amor, é digno de viver. Muito mais digno que viver sem ódio. Muito mais. Viver por amor é muito mais do que viver sem odiar. E viver por amor aos outros é o ápice de uma existência completa, linda, perfeita. Perfeita não pela ausência de erros, mas pela sobriedade em sentir a maior pureza de ser sentida. Existir simplesmente para cuidar do amor de uma outra pessoa. Essa é a missão mais incrível que alguém pode aceitar e pode passar a vida inteira tentando realizá-la que não poderemos chamar essa vida de uma vida desperdiçada, jogada fora. Mas... Falhar nessa missão é como falhar no desejo de viver.

Como falhar no medo da morte.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Palavras.

A aparência daquela cela só não era pior do que o seu cheiro. Eu estava ali desde de manhã, quando acordei, tonto, após uma marretada na têmpora quando voltava para casa. Só me lembrava de um vulto me atacando. Estava preocupado, mas em choque. Principalmente, porque não estava sozinho na cela. Dormindo, do lado oposto, estava um homem, de aparência similar a minha, mas careca. E com uma cicatriz na bochecha. Queria gritar, mas estava com medo de ser morto pelo dorminhoco bizarro.

Não aguentei. Gritei.

Como de súbito, a figura acordou, deu um salto incrivelmente rápido em minha direção, e tudo que eu pude fazer foi fechar os olhos. Mas... A figura apenas me tapou a boca. Com a outra mão, fez um sinal com o indicador sobre a boca, como se dissesse: "Fique calado". Mas já era tarde. A porta da cela abriu, e dois enormes brutamontes entraram. O homem com a cicatriz chegou para trás, curvou-se, com as mãos cruzadas. Mas não era ele que eles queriam. Olharam de súbito para mim e, quando vi, já estava sendo carregado com um saco na cabeça.

Quando voltei a ver a luz, estava numa sala, sentado numa cadeira, com uma mesa em minha frente. Do outro lado, estava sentado um homem de terno. A luz não chegava em seu rosto, mas ele falou:

"Porque você está aqui?"

Que pergunta era aquela? Em menos de 5 segundos, ele bateu na mesa e perguntou de novo:

"DIGA AGORA PORQUE VOCÊ ESTÁ AQUI!"

"Er... Er... Eu não sei! Eu estava... andando e... acordei..."

"PARA DE GAGUEJAR! SEJA DIRETO!"

"Eu.. eu estava andando e alguém me acertou e eu acordei no chão e...."

"Não estou entendendo nada. Quem te acertou? Fui eu? Que chão? Não sabe falar?"

"Eu não entendo! Eu... Eu caí e, quando vi..."

"CHEGA. Levem-no de volta para a cela."

Antes que eu pudesse ver, tinha tomado um soco na nuca e, quando acordei, estava no chão mal-cheiroso da cela, e a figura com cicatriz estava me olhando.

Demorei um pouco para levantar, até que vi que o homem careca estava tentando se comunicar. Com as mãos. Fazendo sinais.

"Ei, porque você não fala?"

O homem careca fez um novo sinal de silêncio. Percebi que não poderia falar nada naquela cela. Ele me arrastou para o canto da prisão, e com uma pedra, começou a escrever coisas na parede. Pelo estado da mesma, arrisco dizer que ele já teve que fazer isso antes.

"Não. Fale. Aqui."

Okay, isso eu já entendi. Peguei uma pedra e escrevi "Porque?"

Quase morri de susto. Ele abriu a boca. Sua língua estava cortada. Ele escreveu:

"Isso. Não. É. O. Pior".

Ele começou a fazer sinais como se estivesse tirando palavras da sua boca, e entregando a outra pessoa. Eu não consegui entender. Então, ele escreveu:

"Expressão. Comunicação".

Continuei sem entender, e acabei falando:

"Eles querem que eu me comunique? Que eu me expresse?"

Os olhos da figura saltaram. Mandou-me fazer silêncio. Novamente... Tarde demais. Os brutamontes voltaram. A figura, estranhamente, segurou na minha mão. Achei que em um sentido de me dar boa sorte. Foi então, que, antes de me levarem, pude ver a figura desabotoando o peito, e mostrando um buraco aonde deveria ser o coração.

Acho que tenho mais a perder aqui do que a simples fala.

Opostos. (Parte I)

Ajoelhei, porque não conseguia levantar. Aquela floresta me deixava impressionantemente cansado e angustiado. A umidade do ar era ridiculamente excessiva, e não só respirar como enxergar era difícil. O pior não era isso. O pior era que eu não fazia a menor ideia de que lugar era aquele.

Mesmo sem andar, descansar era complicado. Eram tantos fatores negativos ali aplicados que não sabia se era possível chamar aquela queda de benevolente. Mas serviu para colocar a cabeça no lugar. Reunir um pouco melhor as ideias. Até que a floresta começou a se mexer. Ou... Era eu que estava alucinando? Aonde a vista alcançava, vi um ponto que fugia a densidade do meio ambiente em que me encontrava. Sinceramente, minha vontade era de deitar e não levantar mais. Instintos falaram mais alto, e eu levantei.

Normalmente, se espera um oásis aparecer magicamente no meio do deserto, quando o desespero domina e a esperança acaba. Mas quem disse que é fácil? Como uma miragem, aquele ponto que deu fé a um insano moribundo mostrou ser apenas uma parte mais clara da floresta que me chamou inexplicavelmente a atenção.

Mas, então, reparei. Haviam 2 troncos de árvore diferentes do normal. Eles eram... buracos? Como se fosse possível deslizar por dentro deles. Estranho, pensei. Foi aí que eu me assustei. Então, duas entidades saíram, uma de cada buraco, e uma delas (a que surgiu do lado direito) , disse:

"Meu nome é Neon. Sou a nova luz, que lhe aparece em meio a escuridão. Sou salvador, iluminador, confortável, mas tudo que devo, pago, e o que é devido é cobrado. Sou direto, unidirecional".

O que? Antes que eu pudesse pensar, a entidade oposto se manifestou:

"Meu nome é Fearon. Sou o medo de suas escolhas, o profundo desconhecimento das consequências de suas decisões. Sou áspero, intenso e causo dor. Mas dor sincera, dor honesta, dor necessária".

Mas o que? E como anteriormente, não tive tempo para pensar. As duas figuras já se pronunciavam.

"Somos seus polos, somos únicos. Somos caminhos: o inconstante e o inflexível, o previsível, e o mutável. Honesto ou egoísta? Bom? Ruim? Humano? Utópico? Resta você decidir quem é quem".

E, claro, sumiram.

O que diabos acabou de acontecer? Foi necessário sentar para repassar as mensagens na cabeça. Quem era aqueles dois? Caminhos, escolhas, neon, fearon, medo, luz? Aonde eu estou?

Assim que me perguntei do lugar em que estava, percebi que a floresta tinha diminuído. Estava mais escura, não dando para ver muito longe. Achei que estava novamente ficando louco, até que ouvi um sussurro... Pareciam duas vozes sussurrando a mesma coisa:

"Rápido".

Resumindo: ou escolho logo uma saída, ou vou sumir nessa escuridão. Legal.

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Só depois de muito tempo eu fui entender quem eram Neon e Fearon. Mas, antes, vou acabar de contar a história.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Prisão desejada.

- Ei! Ei! Eu estou aqui! Olha pra mim!

Nada. Óbvio. Ele poderia bater quantas vezes quisesse naquela parede de vidro. Nunca seria notado.

- Ei! Me tirem! Me tirem daqui!

Nem um pio. Estava sozinho.

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Ao acordar, não fazia ideia de onde estava. Sabia que estava no chão, pelo menos. O que não era de lá muito satisfatório. Enxugou os olhos e olhou para o teto. Escuro. Mesmo depois da visão estabilizar, continuava difícil de enxergar. Quando tentou levantar, tropeçou. Tentou de novo, e conseguiu ficar de pé. Agora, já enxerga normalmente, mas tudo continuava disperso, como se mudasse constantemente. Aonde diabos ele estava?

Avistou um corredor a sua esquerda e decidiu segui-lo. Ele era pequeno em termos de largura, mas parecia não ter fim. No fim do corredor, havia uma escada descendo. Ele hesitou: tinha um certo medo de altura e a escada era muito longa. Mas, decidiu arriscar.

Enquanto descia, olhava as paredes ao seu lado, cor de bege, e via inscrições. Algumas frases. E foi quando começou a ficar com medo. Todas as frases que estavam naquelas paredes lhe eram muito familiares. Todas elas haviam sido ditas por ele. E todas pareciam ter uma relação que ele não conseguia fisgar. Seu coração acelerou, seu corpo esquentou, sua respiração falhou. Quando virou, pensando em desistir, viu que já tinha descido bastante. Mas não o suficiente para não ver a parede que tampava a entrada da escada.

Calafrios seguidos subiram a sua espinha. Ficou congelado alguns minutos. Até que viu que só tinha uma saída.

Continuar descendo.

Depois de um bom tempo naquelas escadas, chegou numa porta. Estava tão assustado que nem hesitou: abriu a porta de cara. E um clarão lhe cegou.

Quando voltou a ver, estava sobre um plataforma no meio do quarto. O quarto era inteiramente branco. Havia um menininha na sua frente. Ela era morena, tinha olhos claros, usava um vestidinho rosa. Na frente do vestido estava escrito: "essência pura". Não entendeu a relação. A menininha olhou para ele, e fez um sinal. Colocou o indicador sobre os lábios, significando "fique quieto", "não fale". Em seguida, deu um sorriso, um sorriso bobo, inocente, feliz, sincero. Como se dissesse "vai ficar tudo bem".

Foi aí que, da plataforma, subiram duas placas de vidro vermelhas que aprisionaram o garoto. O choque lhe impediu de reagir, mas quando percebeu, começou a bater no vidro, tentando sair. A menina lhe deu um tchauzinho, e fez um sinal de "me espere", "volto logo". E sumiu.

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Quando ela voltou, estava mais velha. Mas continuava com o olhar puro e inocente. O garoto estava sentado dentro da prisão, como os joelhos no queixo, abraçado as pernas, e olhou para ela. Ela simplesmente agachou ao lado do menino, e tocou na prisão. O menino sorriu de volta, e encaixou as mãos, muito maiores, com a da menina. Ambos continuaram sorrindo. Enfim, ele disse:

- Você tinha razão. Tudo ficou bem, depois que eu entendi aonde você me colocou.

O que o garoto quis dizer foi que, depois de se esgotar batendo no vidro, rendeu-se a prisão, e ao olhar para trás, viu um espelho. E viu que sua desejada prisão tinha a forma de um coração.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Deserto.

Conforme os primeiros passos eram dados, a pequena menina ia começando a deixar suas primeiras marcas nas areias do seu deserto. Assim que o tempo ia passando, ela ia crescendo: as marcas das mãos, sumindo, dando lugar a pés cada vez maiores, cada vez mais espaçados. Podíamos imaginar a figura esbelta da garota que cresceu e foi se tornando mulher. Até que, em certo momento, viu-se que apareceram mais dois passos na vida da garota. Pés maiores, mais largos, passadas mais distantes. Sempre sincronizados. Direita, direita. Esquerda, esquerda.

A vida poderia muito bem ser vista como passos ao longo de uma estrada sem fim.

Até que a garota começou a ver somente dois passos em sua caminhada. Demorou algum tempo, até que ela voltasse a ver os quatros passos novamente. E de novo, dois passos. E de novo, quatro passos.

Ela não aguentou e gritou "Quer dizer então que vai me abandonar? Me deixar para caminhar sozinha, sem ninguém? E me deixar para outros, no final?".

E ele respondeu: "Pelo contrário. Serei sempre eu. Mas, algumas vezes, quando você cair, eu irei te carregar no colo".

terça-feira, 3 de abril de 2012

Acompanhar.

O tempo passa com tanta rapidez que, as vezes, não espera que você se agarre a ele. Nem espera que você acompanhe o que já está agarrado nele. Quase sempre, os sentimentos demoram ainda mais para se agarrar num tempo que nem mesmo você já está atrelado.

Como acompanhar alguém que já se agarrou ao tempo? Como subir uma montanha que já te escalou faz tempo? Como alcançar algo que já se tornou inalcançável para você? Como fazer seus sentimentos te acompanharem?

Não há escolha. A não ser que queira que tudo comece a te atropelar. Que o tempo te esmague, que a montanha caia em cima de você.

Como lutar contra a autofobia? Como enfrentar o desprezo, a falta de amor, o descaso? Como confiar em sentimentos unidirecionais?

São tantas perguntas para poucas respostas. Como se a resposta já estivesse agarrado ao tempo, longe das perguntas, que permanecem sozinhas, mãos-dadas com os sentimentos, ambos cansados de ficar em pé. Lutando para não cair. Mas a gravidade, ela é forte. Tão forte...

quarta-feira, 21 de março de 2012

Heartless.

Era uma figura negra. Como dizer... Tinha o tamanho de um menino normal, novo. Tinha o físico e a forma de uma pessoa. Mas era todo negro, completamente escuro. Apenas os olhos, amarelos, diferiam do seu corpo.

Ninguém podia vê-lo. Estava incompleto, despreparado para ser visto. Corria, chamava a atenção, era ignorado. Via pessoas andando, conversando, e parecia invisível.

Viu pais com filhos, viu casais, viu algo que parecia quente e belo em seus sorrisos. Em seus beijos. Seguia-os, tentando entender. Mas estava incompleto.

O pequeno procurava amor. Mas precisava de seu coração de volta.

Aonde está seu coração?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ninguém.

O mundo precisa de mim, pensei. O mundo precisa do que eu posso fazer, pensei.

Estava errado. Eu precisava do mundo. Não só pra deixar a vida correr. Mas para fazê-la vida, com todas as suas minuciosas características e mínimos de detalhes. Choquei-me quando olhei ao redor e vi que nada tinha muito sentido. Essa era a intenção. Eu preciso buscar o sentido, precisa enxergar até onde pudesse enxergar. E vi que não importa o que sejamos, quem sejamos e porque sejamos como somos. Somos únicos. Isso é ótimo. E triste. 

Ótimo, pois nos torna imortais em meio a diferença.

Triste, porque simplesmente não fazemos diferença.

Não somos únicos para ninguém. Não somos exclusividade de ninguém. Ninguém pára o mundo de alguém. 

E ninguém é alguém para o mundo. O mundo é tudo para todos.

O mundo de alguém pode parar. E ele precisa de outros para reanimar as engrenagens. Mas os outros não precisam disso. Podem seguir, sem problemas. 

E foi aí que eu percebi. Que posso ser alguém, mas não sou ninguém. Que para todos, posso ser alguém. Mas, jamais alguém que vá parar o mundo de alguém. E, ainda assim, todos podem parar meu mundo. E ninguém para recorrer. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Sonho 1.0

A pequena menina subia a ladeira de sua casa. Era uma ladeira ingrime o suficiente para cansar um adolescente saudável. Mas a menininha adorava subi-la. Corria, divertindo apenas com o passar do ar pelos seus cabelos. Nada mais era necessário para fazê-la sorrir do que o caminho até a sua residência.

Apenas quando chegavam nos seguranças. Homens altos, de terno, todos combinando, como se tivessem sido clonados e colocados a postos. Ela tinha um certo medo deles. Essa era a intenção. Não com ela, é claro... Mas a intenção era impor medo.

Ela parava diante dos homens, e os encarava, com seus olhos castanhos claros, lindos. E eles a deixavam passar. Ela corria até o portão principal, e dizia seu nome com uma voz suave e encantadora, e o portão se abria, convidativo, envolvente. E a menina continuava correndo. Até que o viu. E abriu um sorriso enorme.

De todos os homens que estavam na entrada de sua casa, aquele era o mais forte, o mais alto, o que deveria impor mais medo. E era o favorito dela. Ela o adorava. E ele adorava a menina. Afinal, era o guarda-costas direto da família. Era de se esperar algum tipo de laço sendo formado. O garoto não tinha mais do que 20 anos, e mesmo assim era capaz de impor respeito. E a menina, pequena, o via como um irmão mais velho. Um protetor. Um guardião. Um herói.

Ela correu até em casa, ao encontro de sua família. Seus irmãos mais novos, seus pais. Abraçou-os, e correu para o quarto. A casa era enorme. Possuía uma sala imensa, e uma escada, que levava até os quartos de cada um. O quarto dela era o maior. E tudo lhe passava despercebido, visto que ela queria entrar em seu computador, para falar com o seu "irmão".

O contraste era impressionante. Se o quarto da menina era maravilhoso, luminoso, aconchegante e limpo, o do seu guarda-costas era o completo inverso. Ele ficava num lugar fora da casa. Um lugar considerado sombrio e amaldiçoado pelas gerações anteriores da família. Visto que essa crença foi se esvaindo com o tempo, o medo daquele lugar passou a não mais existir.

Mas o local não deixava de ser macabro. A arquitetura era deveras antiga, as paredes gastas, feitas de pedra. Pedra mesmo. O lugar era consideravelmente escuro, não possuía portas. Uma escada estreita levava ao segundo andar, que possuía apenas uma cama. E um computador. Dado por sua irmãzinha, para que eles pudessem conversar sempre que ela estive ali.

E eles conversavam. E conversavam. A noite toda. O dia todo. O tempo inteiro.

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Algum tempo se passou. Tempo suficiente para todos os rostos da entrada daquela casa mudarem.

Mas não suficiente para mudar quem aquela casa criou.

E lá estava ela. Mais alta, mais feliz, mais linda. E correndo. Com um sorriso no rosto. Ela corria mais rápido, se cansava menos, e chegava no portão de casa. Não dava nem tempo para os novos rostos de terno a pararem. Chegava no portão, dizia seu nome, e o portão não abria. Lógico, sua voz mudara tanto nesses últimos tempos. Fez sua devida e treinada voz de criança, e o portão, saudoso, abriu-se para a menina.

E como era de se esperar, na porta de seu templo, ali estava ele. Seu protetor, seu eterno guardião. Recebeu-a com um sorriso, enquanto ela corria. Corria junto com o tempo. E a noite chegava. A escuridão pairava. Ela entrou em casa, olhando para trás, guardando a imagem do menino, agora mais alto e incrivelmente mais forte, vigilante, garantindo o sono tranquilo daquela linda garota.

Um barulho dentro de sua caverna, por assim dizer, chamou sua atenção. Rapidamente, virou-se e entrou, procurando por alguma coisa.

Logo quando se entra, a escada aparece, do lado direito, no fim do pequeno quadrado que é a entrada de sua "casa". Sem portas, há um caminho para a esquerda, largo, porém curto. Nesse segundo cômodo, uma luz começou a piscar. Uma imagem apareceu, como se fosse uma interferência de televisão. Decidiu mandar uma mensagem para a sua querida protegida. Perguntou "Você está aí?" e enviou.

E quando ele viu, já estava no meio de tudo.

Como ele não percebeu? Óbvio que não iria perceber. Mas é óbvio. Era uma lenda.

"Um objeto é passada de geração a geração, sempre do pai para o irmão ou irmã mais velha. Quando esse objeto se afastar, deverá continuar afastado. E caso não continue, por uma noite, tudo será consumido.".

Só acreditou quando já era tarde demais.

As imagens começaram a passar em seus olhos. Era como se estivesse vendo o passado. Vendo coisas que, ali, já aconteceram. Pessoas passavam, coisas passavam, ventos passavam. Era tudo em muita quantidade e muito rápido para ser distinguido. Olhou para a porta. Ele a deixara aberta, mas enquanto estava em seu transe, parecia que a porta não existia, ou que ela estava fechada. Várias figuras começaram a aparecer na suposta porta trancada. Formas estranhas, diferentes da realidade. Algumas com aspecto humano, outras com aspectos fantasmagóricos, horrorosos, desfigurados. E pareciam sair da porta, como se estivessem se libertando de algo que os prendia.

A única figura que ele conseguia lembrar, assim que tudo terminou, foi a última.

Essa figura tinha um aspecto humano. Era toda branca, ou cinza, não conseguia distinguir. Ela não tinha rosto, ou até tinha.. Ele não conseguia lembrar. Talvez, possuísse marcas aonde deveriam ser seus olhos e seu nariz. Mas, nada de boca. Isso ele lembrava. Ela estava sentada numa cadeira toda de pedra. Uma cadeira maior que o normal, com o encosto todo de braço, dois descansos de braço de pedra, e um bloco gigante como base da cadeira. No peito daquela criatura, havia algo que ele não conseguia discernir...

E estava de volta a realidade. Não havia mais nada ali dentro. Só ele, parado, ofegante, tentando organizar seus pensamentos. A porta estava aberta, como ele havia deixado. Ele se dirigiu a porta. Mas, algo lhe dizia... Que aquela porta iria se fechar se ele continuasse andando, ou fizesse qualquer movimento em direção a ela.

Decidiu arriscar.

E a porta se fechou.

Deu uma respirada forte. Na expiração, soltou um bafo gélido, vaporizado. Foi tentado a olhar para trás.

Sentado, pálido, dormindo, ou morto, não sabia, lá estava a figura de suas visões. Com aspecto humano, sentado na cadeira. Imóvel. E agora, via em seu peito, o que não havia visto. A sua boca. Um buraco enorme, redondo, e em suas bordas, dentes. Não eram dentes quaisquer. Eram pernas de aranha, com dentes afiados no final, parecidos com a ponta de um dente de mamute.

Algo o puxou, mais forte que sua resistência. E quando viu, seu braço havia sido pegue pela boca hedionda. Gritou de dor. E, de repente... Não era mais ele. Quer dizer... Era ele. Mas, não era ele. Ele estava deitado, no chão, assistindo tudo. Assistindo o bicho destroçar seu braço. Estava caído no chão, imóvel, apenas observando. E a figura, imóvel até agora, se moveu, e com sua mão direita, pegou a cabeça do guardião, e a puxou para sua boca. A partir dali, não houve mais resistência. Apenas puxadas e destroçadas. Até que, por fim, o monstro se saciou, engolindo-o por completo. Tudo ficou escuro. O monstro ainda estava ali, mas imóvel. E ele continuava no chão. Era como se sua alma tivesse sido separada de seu corpo no instante exato que ele iria morrer, apenas para se olhar morrer.

Antes de tudo acabar, ele viu a resposta de sua adorada protegida.

"Você PERMANECEU aqui. Por mim. (: "

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Borracha.

Ele atravessou a porta, entrou num quarto fechado. Não haviam janelas. Não haviam quadros, não havia, não havia nada. Era um lugar completamente branco. Totalmente branco. Era algo novo. E antigo. Um lugar, criado para ser moldado. E para ser remoldado caso precisasse.

Ele pegou suas ferramentas, e começou a construir o quarto.

Adicionou amor. Adicionou paixão ao quarto. Começou a arquiteta-lo criteriosamente. Parecia normal. Mas, não era. Nada era. Conforme o tempo correu, impetuoso, ele percebeu o quão deixara o quarto ruim. Para ele, parecia o melhor quarto do mundo. Era aconchegante, era lindo, era convidativo, era perfeito. Mas, no final, não era. O quarto o consumiu, o mostrou seus erros, e ele correu, com medo.

Mas voltou.

E lá o quarto estava, pronto para ser remoldado.

Mas o quarto continuou como era. E ele percebeu o que fizera.

Tudo que construímos na vida, é diferente do fictício. Na realidade, não existe segunda chance. A vida é um caderno, e nós somos as canetas.

E não existe borracha alguma que apague o que uma caneta fez.

O que resta a caneta, é tentar riscar seus erros, numa tentativa deles não serem vistos. E continuar escrevendo, como se não estivesse errado.

Mas errou. E errou. E errou.

E não há borracha no mundo que corrija erros permanentes.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Força.

A força de uma pessoa não é medida pelo quantidade de socos que ela leva antes de cair, pela quantidade de peso que você levanta, pelo tamanho dos seus músculos. A força de uma pessoa é medida pela quantidade de vezes que você levantou, pela quantidade de tristeza que você aguenta, pelo tamanho do seu coração. A força de alguém não é medida pelo quanto ela destrói, mas pelo quanto ela constrói. A força de alguém não é medida pelo quanto ela grita para ser escutada, mas pelo silêncio, lípido e lacrimejante, de quando para de falar.

A força de alguém não é medida pelo quão bem ela vê, quão bem ela ouve. A força de alguém é medida pelo quanto ela sobrepõe os cinco sentidos pelo sexto sentido. O amor. Ele tem a capacidade de mudar a sua visão, de intensificar o seu tato, de suavizar a sua audição, de agraciar o seu olfato, de imortalizar o seu paladar. E, apesar de confundir todos os outros sentidos, ele é o sentido mais importante.