terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Sonho 1.0

A pequena menina subia a ladeira de sua casa. Era uma ladeira ingrime o suficiente para cansar um adolescente saudável. Mas a menininha adorava subi-la. Corria, divertindo apenas com o passar do ar pelos seus cabelos. Nada mais era necessário para fazê-la sorrir do que o caminho até a sua residência.

Apenas quando chegavam nos seguranças. Homens altos, de terno, todos combinando, como se tivessem sido clonados e colocados a postos. Ela tinha um certo medo deles. Essa era a intenção. Não com ela, é claro... Mas a intenção era impor medo.

Ela parava diante dos homens, e os encarava, com seus olhos castanhos claros, lindos. E eles a deixavam passar. Ela corria até o portão principal, e dizia seu nome com uma voz suave e encantadora, e o portão se abria, convidativo, envolvente. E a menina continuava correndo. Até que o viu. E abriu um sorriso enorme.

De todos os homens que estavam na entrada de sua casa, aquele era o mais forte, o mais alto, o que deveria impor mais medo. E era o favorito dela. Ela o adorava. E ele adorava a menina. Afinal, era o guarda-costas direto da família. Era de se esperar algum tipo de laço sendo formado. O garoto não tinha mais do que 20 anos, e mesmo assim era capaz de impor respeito. E a menina, pequena, o via como um irmão mais velho. Um protetor. Um guardião. Um herói.

Ela correu até em casa, ao encontro de sua família. Seus irmãos mais novos, seus pais. Abraçou-os, e correu para o quarto. A casa era enorme. Possuía uma sala imensa, e uma escada, que levava até os quartos de cada um. O quarto dela era o maior. E tudo lhe passava despercebido, visto que ela queria entrar em seu computador, para falar com o seu "irmão".

O contraste era impressionante. Se o quarto da menina era maravilhoso, luminoso, aconchegante e limpo, o do seu guarda-costas era o completo inverso. Ele ficava num lugar fora da casa. Um lugar considerado sombrio e amaldiçoado pelas gerações anteriores da família. Visto que essa crença foi se esvaindo com o tempo, o medo daquele lugar passou a não mais existir.

Mas o local não deixava de ser macabro. A arquitetura era deveras antiga, as paredes gastas, feitas de pedra. Pedra mesmo. O lugar era consideravelmente escuro, não possuía portas. Uma escada estreita levava ao segundo andar, que possuía apenas uma cama. E um computador. Dado por sua irmãzinha, para que eles pudessem conversar sempre que ela estive ali.

E eles conversavam. E conversavam. A noite toda. O dia todo. O tempo inteiro.

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Algum tempo se passou. Tempo suficiente para todos os rostos da entrada daquela casa mudarem.

Mas não suficiente para mudar quem aquela casa criou.

E lá estava ela. Mais alta, mais feliz, mais linda. E correndo. Com um sorriso no rosto. Ela corria mais rápido, se cansava menos, e chegava no portão de casa. Não dava nem tempo para os novos rostos de terno a pararem. Chegava no portão, dizia seu nome, e o portão não abria. Lógico, sua voz mudara tanto nesses últimos tempos. Fez sua devida e treinada voz de criança, e o portão, saudoso, abriu-se para a menina.

E como era de se esperar, na porta de seu templo, ali estava ele. Seu protetor, seu eterno guardião. Recebeu-a com um sorriso, enquanto ela corria. Corria junto com o tempo. E a noite chegava. A escuridão pairava. Ela entrou em casa, olhando para trás, guardando a imagem do menino, agora mais alto e incrivelmente mais forte, vigilante, garantindo o sono tranquilo daquela linda garota.

Um barulho dentro de sua caverna, por assim dizer, chamou sua atenção. Rapidamente, virou-se e entrou, procurando por alguma coisa.

Logo quando se entra, a escada aparece, do lado direito, no fim do pequeno quadrado que é a entrada de sua "casa". Sem portas, há um caminho para a esquerda, largo, porém curto. Nesse segundo cômodo, uma luz começou a piscar. Uma imagem apareceu, como se fosse uma interferência de televisão. Decidiu mandar uma mensagem para a sua querida protegida. Perguntou "Você está aí?" e enviou.

E quando ele viu, já estava no meio de tudo.

Como ele não percebeu? Óbvio que não iria perceber. Mas é óbvio. Era uma lenda.

"Um objeto é passada de geração a geração, sempre do pai para o irmão ou irmã mais velha. Quando esse objeto se afastar, deverá continuar afastado. E caso não continue, por uma noite, tudo será consumido.".

Só acreditou quando já era tarde demais.

As imagens começaram a passar em seus olhos. Era como se estivesse vendo o passado. Vendo coisas que, ali, já aconteceram. Pessoas passavam, coisas passavam, ventos passavam. Era tudo em muita quantidade e muito rápido para ser distinguido. Olhou para a porta. Ele a deixara aberta, mas enquanto estava em seu transe, parecia que a porta não existia, ou que ela estava fechada. Várias figuras começaram a aparecer na suposta porta trancada. Formas estranhas, diferentes da realidade. Algumas com aspecto humano, outras com aspectos fantasmagóricos, horrorosos, desfigurados. E pareciam sair da porta, como se estivessem se libertando de algo que os prendia.

A única figura que ele conseguia lembrar, assim que tudo terminou, foi a última.

Essa figura tinha um aspecto humano. Era toda branca, ou cinza, não conseguia distinguir. Ela não tinha rosto, ou até tinha.. Ele não conseguia lembrar. Talvez, possuísse marcas aonde deveriam ser seus olhos e seu nariz. Mas, nada de boca. Isso ele lembrava. Ela estava sentada numa cadeira toda de pedra. Uma cadeira maior que o normal, com o encosto todo de braço, dois descansos de braço de pedra, e um bloco gigante como base da cadeira. No peito daquela criatura, havia algo que ele não conseguia discernir...

E estava de volta a realidade. Não havia mais nada ali dentro. Só ele, parado, ofegante, tentando organizar seus pensamentos. A porta estava aberta, como ele havia deixado. Ele se dirigiu a porta. Mas, algo lhe dizia... Que aquela porta iria se fechar se ele continuasse andando, ou fizesse qualquer movimento em direção a ela.

Decidiu arriscar.

E a porta se fechou.

Deu uma respirada forte. Na expiração, soltou um bafo gélido, vaporizado. Foi tentado a olhar para trás.

Sentado, pálido, dormindo, ou morto, não sabia, lá estava a figura de suas visões. Com aspecto humano, sentado na cadeira. Imóvel. E agora, via em seu peito, o que não havia visto. A sua boca. Um buraco enorme, redondo, e em suas bordas, dentes. Não eram dentes quaisquer. Eram pernas de aranha, com dentes afiados no final, parecidos com a ponta de um dente de mamute.

Algo o puxou, mais forte que sua resistência. E quando viu, seu braço havia sido pegue pela boca hedionda. Gritou de dor. E, de repente... Não era mais ele. Quer dizer... Era ele. Mas, não era ele. Ele estava deitado, no chão, assistindo tudo. Assistindo o bicho destroçar seu braço. Estava caído no chão, imóvel, apenas observando. E a figura, imóvel até agora, se moveu, e com sua mão direita, pegou a cabeça do guardião, e a puxou para sua boca. A partir dali, não houve mais resistência. Apenas puxadas e destroçadas. Até que, por fim, o monstro se saciou, engolindo-o por completo. Tudo ficou escuro. O monstro ainda estava ali, mas imóvel. E ele continuava no chão. Era como se sua alma tivesse sido separada de seu corpo no instante exato que ele iria morrer, apenas para se olhar morrer.

Antes de tudo acabar, ele viu a resposta de sua adorada protegida.

"Você PERMANECEU aqui. Por mim. (: "

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